domingo, 31 de março de 2024

A filha obediente

 A filha obediente vai à igreja aos domingos. Fala amém para as atrocidades dos pais. 

A filha obediente nunca retruca, nunca questiona, nunca vai contra, porque está em dívida com eles. Em débito. 

A filha obediente nunca da trabalho desrespeitando. 

A filha obediente engole tudo porque cansou de tentar entendê-los. 

A filha obediente é pássaro dentro de uma gaiola da mente, onde tem medo de voar. De sair. De não estar mais neste lugar. A filha obediente julga o lar confortável, mas cresceu demais e não cabe mais ali. 

A filha obediente precisa sair dali. 

segunda-feira, 18 de março de 2024

desinquieto

 queria conseguir falar.

falar tudo aquilo que me incomoda. desinquieta o peito. queria conseguir organizar as ideias em estantes. como livros.

colocar por ordem alfabética ou por cor, o desinquieto que me incomoda. ou quem sabe criar tópicos. sou ótima criando tópicos. 

quem sabe colocar numa planilha de Excel e ir ticando cada vez que eu conseguir resolver um desinquieto diferente. as vezes solto o ar do peito e ainda parece que falta, sabe? falta dar um gritinho para conseguir prosseguir. aqui. sã e salva. funcionando dentro do moinho da vida. onde me adequo melhor.

mas daí o desinquieto vem, vai. tinge tudo com sua ventania de desordem e me leva junto. 

parei de tomar antidepressivos. de novo. estou feliz, tentando me manter viva. corrente, corriqueira, mas o desinquieto no peito me sonda, dá voz de comando e enumero em tópicos:

  • me manter viva
  • me manter viva
  • me manter viva
  • me mandar real
  • viva
  • não cair em esquecimento de quem sou
  • não sucumbir
  • não me negar
  • me amar de novo
  • não voltar a me odiar
  • me manter viva

domingo, 22 de outubro de 2023

luz que irradia da minha mente. 

sândalo, vozes, gostos, olhares, texturas, incômodos.

prostada na cama me reviro entre delírios irreais do que fantasio sobre minha vida. almejo me derreter na escrita, mas fujo dela, pois me julgo incapaz, ruim, péssima, criança, infantil, corriqueira e aprendiz.

mas diálogos se formam em minha mente e todas vezes tenho que lutar para eles se calarem e darem espaço para o silêncio ou a música ensurdecedora da playlist. vivo em constante corda bamba entre a sanidade e o desejo de desaparecer daqui. dessa cidade que me trouxe ao mundo. vivo com vontade de tudo e sem coragem de nada. vivo como se rotinas corriqueiras fosse tudo que eu precisasse para manter a sanidade, mas detesto tudo isso. 

canso. estremeço ao toque do despertador. cansativo e exaustivo fingir sorrisos, digitar e-mails, atender telefones, beijos e abraços em quem não morro de amores. é irreal e exaustivo existir corporativamente falando. eu desejo outra coisa.

queria me derramar por inteira em hobbies, em viajar o mundo, em desfazer malas, em escrever romances, em sibilar arrepios e provar drinks caros. qualquer interação humana que fosse porque quero e não porque preciso. ou simplesmente não ser obrigada a falar. simplesmente me calar diante do mundo e aproveitar o nascer do dia sem me preocupar tanto com o relógio. parece meio surreal que tanta gente viva tão intensamente assim em redes sociais. invejo. ah, como invejo.

constantemente desapareço dentro de mim, dessa cabecinha fantasiosa que não para de estar em outro lugar e daí quando submerjo encontro outra pessoa, meus movimentos são lentos, cautelosos e nostálgicos. reconheço tudo, já estive aqui e respiro fundo. 

desejo abrir janelas, fechar os olhos e apreciar a paz de ter uma vida sem pressa ou solidão. 

mas daí me lembro que essa é minha vida e sempre fui assim. um nó. um ponto fora da curva. um destoante som agudo, um ponto fora da linha, um tom tingido de vermelho na imensidão do contraste do céu azul. 

essa sou eu.